domingo, 22 de agosto de 2010

parece comigo

Traduzir-se



Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?


De Na Vertigem do Dia (1975-1980)



FERREIRA GULLAR

Um comentário:

Ayla disse...

Parece com você e com todo ser humano normal. Claro que nem todo mundo se vê assim. E é isso que diferencia.
Bem-aventurados os que se sabem incompletos, mutáveis, inquietos,confusos... porque se são capazes de realizar grandes coisas em sua vida.
Que assim sejamos nós!
Beijos.